Explicando a biologia da infecção causada pelo coronavirus (COVID19)
Inicialmente, quando uma pessoa entra em contato com o novo coronavirus (SARS-CoV2), o seu sistema imune determinará o processo e o desenvolvimento da doença. Se a pessoa infectada estiver bem sob o ponto de vista imunológico, e se a carga de contaminação viral não for excessiva, os efeitos patológicos esperados serão, em geral, similares à da gripe comum. No entanto, se a pessoa infectada têm comprometimentos que reduzem sua capacidade imune, por exemplo, doenças autoimunes, doenças graves e crônicas, condições que inibem a resposta imune ou uso de medicamentos citotóxicos, a doença ocasionada por este vírus, denominada de COVID19, poderá ter impactos mais intensos. Quando o novo coronavirus rompe a barreira de defesa, a tendência é avançar em direção às células hospedeiras do tecido pulmonar.
Neste órgão, os vírus atacam os receptores ACE2 (estruturas similares à portões que dão acesso às células) e penetram nas células do tecido epitelial pulmonar. Como a estrutura molecular do vírus é de RNA, há uma proteína viral conhecida por “transcriptase reversa específica” que faz com que a molécula de RNA viral seja inserida no DNA da célula hospedeira do tecido pulmonar e passa a produzir mais covi19 (replicação do covi19) que vão contaminar as células vizinhas. Durante o processo de replicação destes vírus, as interações entre o RNA do vírus com o DNA da célula hospedeira produzem pedaços de pequenas proteínas tóxicas identificadas pelas siglas ORF8, ORF1ab,ORF10 e ORF3a. Estas proteínas tóxicas passam, então, a abrir caminhos para a expansão dos vírus no tecido pulmonar, tornando a infecção mais rápida e abrangente. Além disso, há a hipótese de que algumas destas proteínas tóxicas penetram nos eritrócitos e atacam o grupo heme da hemoglobina, removendo o ferro deste grupo, e tomando o seu lugar. Desta feita, a hemoglobina sem o seu grupo heme original não consegue liberar o dióxido de carbono (CO2) para os pulmões e captar o oxigênio neste tecido. A resposta inflamatória acentuada no tecido pulmonar por conta da contaminação celular do coronavirus desencadeia a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), mas ainda são necessárias mais informações para saber se existe correlação entre a deterioração clínica observada e o déficit de oxigenação da hemoglobina. Da mesma forma, não há dados ainda que comprovem a tese de que a circulação de sangue com hemoglobina desoxigenada poderia atingir outros órgãos, danificando-os por falta de oxigenação, e provocando suas falências funcionais.
Neste contexto, poderíamos sugerir pontos interessantes a serem pesquisados, tais como a intensidade de formação de meta-hemoglobinas no sangue de pacientes infectados, bem como o estudo da curva de dissociação da oxi-hemoglobina, para averiguar se haveria tendência de desvio à direita. É importante destacar que o ferro desalojado do grupo da hemoglobina, ao circular na sua forma livre no sangue, é captado pela transferrina. Para que que haja toxicidade decorrente de um possível excesso de ferro, seria necessário que indicie de saturação da transferrina estivesse, em geral, acima de 80%. Por outro lado, se sabe que na maioria dos processos inflamatórios, a concentração da ferritina plasmática se torna elevada por conta do seu comportamento como proteína de fase aguda de inflamação.
Na minha opinião, e aceitando a hipótese acima, é possível que na vigência da infecção pulmonar associada a COVID19, os exames de contagem de reticulócitos, dosagem de meta-hemoglobina e dosagem de bilirrubina indireta possam atuarem como marcadores da progressão ou da regressão desta patologia. Por outro lado há a uma questão intrigante: - Por que populações de alguns países, ou de regiões diferentes de um mesmo país, com níveis sociais e culturais parecidos, tem maior número de mortes que outras? Há evidentemente muitas variáveis com destaques para o estado clínico do paciente, da atenção médica de internação, dos procedimentos terapêuticos adequados, etc. Entretanto, há um fato desconsiderado até o presente, qual seja, as pessoas portadoras de fibrose cística no estado de heterozigose e que foram infectadas pelo novo coronavirus. Em geral, os portadores heterozigotos para fibrose cística são assintomáticos, e recentes pesquisas revelaram que 54% deles estão propensos a contraírem infecções respiratórias, notadamente pulmonar. A prevalência de portadores heterozigotos de fibrose cística é de 3 a 4% entre europeus, enquanto que em asiáticos e africanos é por volta de 1%. Este fato poderia ajudar a explicar porque na Itália houve mais óbitos que na China, ou porque, ocorreram mais óbitos no norte do que no sul da Itália (figuras 1 e 2). Muitas outras descobertas deverão ocorrer na sequência desta epidemia e a AC&T fará o possível para divulga-las.
Figura 1 – Prevalência de doentes com fibrose cística na Itália. Através desta avaliação conclui-se que a prevalência de portadores heterozigotos de fibrose cística acompanhe o gráfico.
Figura 2 – Prevalência de infecções respiratórias causadas pelo covid 19. As áreas mais escuras são as mais prevalentes desta doença no início de 2020.
Prof. Dr. Paulo César Naoum e Prof. Dr. Flávio Augusto Naoum
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